segunda-feira, 21 de março de 2016

“Povo” x “militares”: preparando a nova lógica da repressão?


O momento atual exige um posicionamento claro de todos. Com todo respeito aos leitores deste Blog, não posso deixar de me posicionar também. É preciso que a História saiba em que lugar cada um de nós estávamos, quando os fatos em curso se concretizarem.
Passei por dois golpes ao longo da vida. Um no Brasil, em 64 e outro no Chile, em 73. Ambos foram golpes conduzidos com o protagonismo dos conservadores. Conservadores, dão golpes arregimentando os militares, uma instituição que aparece para o público como honesta e imparcial, além de apartidária. À semelhança da Polícia Federal e do Judiciário neste momento. A diferença é que um tem o poder do “canhão” e o outro da “caneta”. Eu escrevi “da caneta”, porque é por ela que se registra a interpretação das leis. A lei sempre precisa ser interpretada ao ser aplicada, pois se fosse tão objetiva, não precisaríamos ter “advogados” e “juizes”.
Caiu de moda o golpe com canhão. Foi substituído por algo que poderia ser chamado de “golpe da caneta dos liberais” – que, é claro, nunca dispensa totalmente o trabalho sujo dos conservadores. Na verdade, os liberais sempre se esconderam atrás dos conservadores nestes momentos e enquanto conveniente. Agora estão invertendo o protagonismo, para não ter que bancar historicamente e judicialmente os “estragos do canhão”.
Parece que passarei por um terceiro golpe. Não consigo entender como uma presidente que teve mais de 50 milhões de votos, pode ser declarada impedida, sem motivos, com a “justificativa” de que “as ruas”, ou seja, apenas 3 milhões de pessoas, assim pedem. Ou, ainda, porque as pesquisas de opinião não lhe são favoráveis e a maioria não considera seu governo bom ou razoável. A matemática não fecha. E é por isso que é golpe, a despeito do nome que se queira dar a ele.
O atual golpe é de estilo “liberal”. Não envolve, portanto, os militares e nem está ancorado na igreja – duas instituições que normalmente compuseram os golpes que tinham a hegemonia conservadora. Não pelo menos abertamente. Costuma-se dizer que para se dar um golpe ao estilo conservador, se faz necessário um jornalista, um padre, um político e um militar. As demais áreas, são submetidas quando necessário à força, inclusive o judiciário e a polícia.
No golpe liberal, não é necessário ter explicitamente um padre e um militar. Mas é fundamental ter alguém no judiciário com poder (STF), alguém na polícia (PF), a mídia e alguém no congresso (Cunha). O golpe de 64 fechou o Congresso. Naquela época, o Congresso fez um papel mais digno do que o atual congresso faz. Hoje, a mídia, associada à ação da PF, apoiada no judiciário e turbinada por manifestações de rua, constituem o eixo do golpe, acompanhado e referendado pelo congresso atual. Tudo flui pelos meandros da “interpretação jurídica”, assentada na caneta supostamente imparcial dos julgadores – ora a PF, ora o Judiciário, ora o congresso. Se o juiz é a favor do golpe, é imparcial; se é contra, é porque houve “bolivarianismo”. A mídia repercute seletivamente para insuflar as ruas.
Mas, no dia de ontem, houve uma mudança no discurso liberal que é digna de registro. Todo golpe leva à repressão. O atual golpe em curso, começa a preparar a lógica da repressão. O discurso inicial apareceu ontem na mídia por arautos do Estadão, entre eles, Eliane Cantanhede. Uma perigosa diferenciação começa a ser estabelecida entre os cidadãos. Nos golpes anteriores a dicotomia era entre “povo” e “subversivo”. Quem era a favor do golpe militar era chamado de “povo”; quem era contra, era chamado de “subversivo”. Subversivo era a senha para se aceitar a repressão dos que discordavam do golpe. Entre os “subversivos” estavam os “comunistas”, mas não só. Se eram comunistas (ou se pareciam estavam com eles) mereciam. Vimos no que deu.
O discurso que começa a ser construído no golpe liberal brasileiro, prepara a reedição desta dicotomia: existe agora o “povo” que foi às ruas contra o governo e os “militantes” que pertencem ao PT e às organizações sociais e que apoiam o governo. Segundo esta visão, as manifestações anti-governo, são feitas por pessoas comuns que não têm experiência em mobilização, que não têm a militância, ou seja, cidadãos nobres; as manifestações pró-governo, são feitas por profissionais da política com grande experiência em arregimentar pessoas, comunistas ou amigos deles como o MTST e o MST. Constituem uma minoria que precisa ser derrotada pelo “povo” ordeiro e trabalhador que sofre com a recessão produzida por um governo incompetente. O discurso do ódio, unifica a direita.
Esta configuração como alertam alguns é extremamente perigosa. Os liberais não têm uma liderança sequer que seja aceita para falar aos participantes em suas próprias manifestações “apartidárias”. Aécio e Alckimin não duraram 20 minutos na avenida e tiveram que retirar-se sob vaias nas próprias manifestações anti-governo promovidas por eles. Ao contrário, a manifestação de ontem, contou com um discurso que durou uma hora, feito por Lula, e que saiu da avenida ovacionado pela massa. Outras lideranças políticas estiveram presentes e não foram vaiadas. Todos foram ouvidos.
Eis a acefalia política que as manifestações contra o governo estão produzindo no pais guiados por apelos liberais que queimam as pontes entre as ruas e a política, criando o eixo golpista que vai da PF e do Judiciário para as ruas, com a concordância do congresso e o entusiasmo da mídia, mas sem o próprio protagonismo dos políticos liberais que fogem das ruas. Os militares foram substituídos pelo “General Moro” e correlatos como “Mendes” no STF. Os políticos pelos Cunhas e Aécios e estes sem aceitação nas manifestações. Este é o eixo do apartidarismo oportunista que leva ao incentivo para a criação de milícias que resolvem agir fora da institucionalidade, movidas pelo sentimento de impotência no campo da política, criado pelos liberais. Estão semeando o ódio.
Vivi para ajudar a derrotar os outros dois golpes conservadores, torço para viver e ajudar a derrotar mais este golpe, agora de estilo liberal, se ele vier a se concretizar. Os golpistas (conservadores e liberais) não aprendem que as contradições são mais fortes e continuarão a atuar, mesmo depois do golpe e com mais intensidade ainda. Estão tão cegos que querem neutralizar a única liderança capaz de falar às ruas e pregar, certo ou errado, a conciliação de classes que, no fundo, é uma proposta dos próprios liberais. Inverteu-se: os liberais incentivam o ódio; os “militantes” o entendimento.
Para a educação, este retrocesso será lamentável. Para o campo da avaliação educacional idem. Ele trará com ênfase maior toda a política dos reformadores empresariais da educação para o centro da política pública, acompanhada de todas as consequências que os golpes produzem em um país

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